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Silêncios

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ISBN: 978-989-8253-96-5

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Do verbo fértil aos silêncios rasgados

 

Disse Pablo Neruda, no seu discurso "Nasci para Nascer", na entrega do Prémio Nobel, que “Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema”, mas sim que “Encontrei, naquela longa jornada (a vida), as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza”, acrescentando que “surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar com melancolia”.

Quem priva por breves momentos com Carla Valente dificilmente a imaginará poetisa – ou poeta, como agora sói chamar-se a quem escreve poesia e é mulher –, tal é a sua aversão social ao silêncio, à melancolia, ao monólogo interior, donde resulta, tantas vezes, a chama inicial que abre a porta do poema. Menos ainda a imaginaria autora de um conjunto de poemas enraizados no título comum “Silêncios”. Mais facilmente esse privilegiado que pudesse privar com a autora acharia propícia a primeira citação de Neruda, quando diz que encontrou na vida as doses necessárias para a formação do poema. De facto, é nesta ambiguidade entre a vida expressiva e impressiva da poetisa e os silêncios que o título desta obra quer construir que se movimentam os poemas. Cada poema salta da vida para a folha do papel, passando pela alma da poetisa, transfigurado em pisada de caminhante, em sopro de pensamento íntimo. Por vezes, uma palavra e um ponto. Outras vezes, um início de ideia e ponto. Por fim, uma vontade clara e um ponto.

Uma poesia contida, breve. Uma poesia de diálogo, mas também de monólogo interior, de ausência mas também de presença. Verso curto, como já se disse, mais curto ainda pelo ponto que surge a meio para fazer duma palavra todo um complemento, todo um sentimento. Poesia límpida e transparente, onde as palavras não querem mais do que aquilo que são e querem dizer.

Senhora de palavra fácil e verbo fértil, a poetisa convoca o(s) (mil) silêncio(s) para a sua arte, como se se expurgasse do que não diz – apesar das mil palavras – e guarda dentro de si. Não me ouçam a palavra fácil, mas sim o(s) silêncio(s) que trago dentro de mim, diz-nos em cada página. O silêncio sobre a “mulher cansada que varre a cozinha”. O silêncio sobre as palavras, verbo e pronome de quase impossível concordância, “Preciso-te” que todos nós a medo sussurramos – ou queremos sussurrar – para o outro. Silêncio sobre “O abraço adiado aos amigos que moram em ti…”, porque o tempo “Empurra-te, em dor, para que chegues”. Silêncio sobre o pedido de perdão ao mendigo pelas “farturas da tua fome” Silêncio sobre esta “estranheza de ser” que cada um de nós, algum dia, nalguma hora, sentiu sobre si próprio. Silêncio sobre “As dores agrestes que sobram aos homens”, as dores de todos que cada um comunga, neste tempo de calamidade pública em que vivemos. Silêncio sobre o pedido “Deixa a porta entreaberta” que desejávamos fazer ao outro e tantas vezes ficou no silêncio da boca fechada. Silêncio sobre o “chão da infância” que cada um de nós traz consigo e onde gostaria de regressar, quanto mais não fosse para ressuscitar após os enganos e desenganos sofridos e cometidos. E o silêncio sobre a fé infantil e cândida de que “Um dia Deus vai pegar-me ao colo”, porque só assim se encontra sentido para um aglomerado de milhões de células, unidas num corpo, donde brota o poema. Silêncios rasgados, enfim.

 

 

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(Vazio)